ARTIGO: Reforma da Previdência e os Impactos na Qualidade de Vida das Trabalhadoras do Campo

ARTIGO: Reforma da Previdência e os Impactos na Qualidade de Vida das Trabalhadoras do Campo

KATIA GAIVOTO

Por Kátia Gaivoto¹

Com discurso de déficit, a classe dominante representada pelo consórcio que governa nosso país, representado pelo “presidente” da república, grande parcela do congresso nacional, setores do judiciário, narram um discurso de falência e/ou futura incapacidade de manutenção da previdência. O investimento pesado em aprovar uma reforma previdenciária vem ganhando peso na sociedade, na medida em que a mídia comprometida com esse consórcio, vem propagando esse conceito de déficit como verdade absoluta investindo na internalização de ideias, o que Chauí (1984), vai chamar de ideologia dominante. Se considerarmos os dados apresentados pela pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, Denise Lobato, onde afirma em seu longo estudo sobre o suposto rombo na Previdência que: As informações conduzem a uma conclusão óbvia: o sistema de seguridade social apresenta receitas que têm bases amplas e diversificadas e é financeiramente sustentável, apresentando grande potencial para a expansão de gastos sociais. Não há qualquer sintoma de crise na seguridade social e nem na previdência, a revelia do que é amplamente divulgado pela visão liberal-conservadora dominante. (LOBATO, 2006, p.231) 

Para a autora, esse discurso de déficit visa única e exclusivamente, a implementação de um novo modelo previdenciário de cunho privado, atendendo assim, aos interesses de grandes empresários da área. Diante das afirmativas, fica claro que a Reforma da Previdência tem um recorte de gênero na medida que da classe trabalhadora as mais prejudicadas com a reforma serão as mulheres. Fato esse, que se reproduz ao longo de nossa história, como nos chamou a atenção Simone de Beauvoir “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

Segundo relator da reforma da previdência na câmara dos deputados, só caberia um olhar diferenciado para a aposentadoria especial as mulheres casadas e justifica: “Se você é uma mulher casada, tem filho, cumpre jornada no seu trabalho e chega em casa tem que cuidar de filho, marido etc, é um fato a ser considerado. A mulher que é solteira, que não tem filho, por que vai ter uma diferença em relação ao homem?” (2017, Deputado Federal Arthur Maia, relator da comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 287)

Foi com este tipo de pensamento arraigado de machismo que a comissão da reforma da previdência na câmara dos deputados pautou os debates dos rumos da previdência social brasileira.

Para as mulheres do campo, que lutam a vida inteira, a proposta de equiparar a idade aos homens, mínima aos 65 anos é um dos pontos mais cruéis da proposta. Ela acarretará no aumento de 10 anos de trabalho duro na roça. De acordo com a regra atual elas têm direito ao benefício aos 55 anos de idade em razão do trabalho penoso de baixo de sol e chuva e de iniciar sua vida laboral ainda muito jovem, muitas delas inclusive não tiveram oportunidade de seguir seus estudos, pela falta de oportunidade no campo, bem como, pela condição impostas a elas enquanto mulheres, formadas para o lar.

Considerando que os trabalhadores e trabalhadoras rurais possuem algumas especificidades. Outra proposta desumana é a mudança na forma de contribuição à previdência. Hoje os trabalhadores assalariados rurais tem o desconto normal em seu registro na carteira assinada, já os produtores rurais, meeiro, arrendatários rurais ao vender sua produção aplica-se uma alíquota de 2,1% como aponta o Instituto de Estudos Previdenciários, destina-se à Seguridade Social: I – 2% (dois por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamentos das prestações por acidente do trabalho. Desde que exerçam suas atividades em regime de economia familiar. Este ponto também sofrerá alteração com a proposta da reforma da PEC 287 onde se propõe acrescentar mais uma contribuição, sendo individual e obrigatória.

Porém a realidade da roça mostra que quem trabalha no campo, convive cotidianamente a mercê dos resultados que terão de sua safra, que por vez depende de fatores inerentes a eles, como o fator climático. Portanto, esses trabalhadores e trabalhadoras não podem contar com dinheiro mensalmente, logo como pagar essa contribuição individual a todos os membros da família? Se considerarmos a probabilidade de a família ter que escolher somente um para fazer a contribuição, o resultado recairá no recorte de gênero, pois certamente escolherão o homem, abalizado como “provedor” da família. Mais uma vez, as mulheres trabalhadoras rurais serão penalizadas, pois certamente acabarão se submetendo a esta condição em razão da situação financeira de sua família. O que tornará mais distante a possibilidade do empoderamento dessas mulheres, pois sem a perspectiva de adquirir esse direito fruto de sua atividade laboral, se voltariam para os afazeres domésticos (cuidar da casa, dos filhos e marido).

Levando em consideração o papel constitutivo do trabalho na formação humana, e para as mulheres sinônimo de emancipação de condições opressoras. Consideramos essa proposta de reforma ou “deforma” da Previdência um retrocesso a um processo de independência financeira que se vem construindo com muita dificuldade ao longo de muitos anos.

Essas trabalhadoras dão duro a vida inteira na perspectiva de ter o mínimo de qualidade de vida em sua idade mais avançada. Considerando aqui, qualidade de vida o conceito desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (1998, OMS), que discorre: Qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e auto realização, com independência de seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas. (Pereira et alt., 2012, p.245)

Nessa perspectiva, se faz necessário refletir sobre a conclusão da OMS, e as consequências nefasta que a reforma da previdência fará na vida das mulheres trabalhadoras do campo que depositam na aposentadoria rural a garantia de qualidade de vida. Sendo assim, a elas negado o direito a dignidade humana.

 

1-Kátia Gaivoto é licenciada em História, mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, Diretora e formadora do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho – CES, Secretária Geral Adjunta da CTB Nacional e Vice-Presidente da CTB Minas Gerais.